Depois do título do Gabriel em 2014 e do Adriano em 2015, ambos muito comemorados por nós brasileiros, veio a merecidíssima vitória do John John Florence, um dos surfistas mais espetaculares e talentosos de todos os tempos. Um cara diferente, fora dos padrões, relaxado demais para um competidor, sempre meio alheio às exigências da WSL, características que ao mesmo tempo encantam, pois estão na essência do surfista de alma, mas também fizeram com que ele amargasse diversas derrotas ao longo dos últimos anos.
Todos sabiam, desde o início da sua carreira, há uns dez anos, que ele tinha um potencial extraordinário. Suas performances em ondas grandes sempre surpreenderam, e nos últimos anos sua competitividade foi se polindo e amoldando aos critérios para que ele chegasse ao título máximo.
Fico particularmente feliz por essa conquista, tanto porque é justa e merecida, como porque é bom ver um cara que acompanho desde moleque, que manteve a simplicidade e humildade, ver sua evolução por uma década, finalmente sagrar-se campeão mundial, ser reconhecido e coroado melhor do mundo.
Um Nobel de literatura a um músico? Acredito que essa indagação tenha sido feita por diversas pessoas pelo mundo, não à toa, pois embora Bob Dylan não seja "apenas" um músico, é assim que a grande maioria o reconhece.
Prêmios como este muitas vezes são vistos como tendenciosos, recebem críticas de todo tipo, desde o seu real objetivo, inclusive como já fora questionado por um dos seus ganhadores, o qual recusou-se a recebê-lo, passando pelos indicados e a quem os seleciona, chegando ao escolhido e final merecedor.
Afastando-se dessa problemática, acreditando na nobreza do título, penso que nenhum dos seus ganhadores tenha se preocupado quando da criação de suas obras com este objetivo. O verdadeiro artista, seja escritor, físico, músico, ou qualquer outro iluminado, desenvolveu sua obra pela sua natureza, sua necessidade e vontade, sem preocupar-se com reconhecimento, mas tão somente na sua ideologia e seu resultado.
Para aqueles que pouco sabiam sobre "os outros" Bob Dylan, deve ter sido realmente um choque. Para mim foi uma grata surpresa. Afinal, pelo pouco que sei sobre Prêmio Nobel de Literatura, apenas ilustres escritores, na sua grande maioria europeus, foram agraciados com essa honra, sem falar na "bolada" em dinheiro. É justamente essa a questão, por que a música de Bob Dylan seria merecedora de um Nobel de literatura? A resposta não está na música, mas nas suas letras. Dylan foi, e ainda é, um grande artista, músico, pintor, compositor, poeta.
Em seu primeiro disco, gravado em 1961 e lançado no ano seguinte, apenas duas músicas eram autorais, porém, durante esse período ele escrevia sem parar até lançar em 1963 o segundo álbum, "The Freewheelin' Bob Dylan", este com todas as músicas autorais, escritas em forma de protesto ao governo e à sociedade da época, embora ele mesmo negasse isso, mas assim eram reconhecidas e interpretadas por todos. Duas delas, inclusive, tornaram-se hinos e levantaram bandeiras por toda a década de sessenta e perduram até os dias atuais, "Blowin' in the Wind" e "A Hard Rains A-Gonna Fall", as quais são muitas vezes interpretadas de forma totalmente fora do contexto.
A forma como ele escrevia fugia do tradicional, era um fruto desconhecido de sabor amargo que subitamente conquistou toda a juventude, foi inovador e polêmico numa sociedade altamente conservadora e tradicional.
A música de Bob Dylan é apenas uma carapaça para suas letras. São suas letras, seus contos, sua poesia que o levaram ao reconhecimento mundial, inclusive por aqueles que mais entendem de literatura. Ler Bob Dylan é mergulhar na história americana contada pela ótica de quem viveu no underground, lutou pelos direitos civis e sociais. Sua obra sempre foi admirada e tardou, mas agora foi reconhecida e elevada a outro patamar, sobrepujando autores notadamente geniais.
Assim é o tempo, assim é a vida, às vezes esperamos anos por algo e inusitadamente aquilo acontece, como diz o próprio autor, "quantas estradas um homem deve percorrer até ser chamado de homem"?
Todo surfista, do mais velho ao mais jovem, do "Free Surfer" ao competidor, todos reconhecem a hegemonia do Kelly Slater, mas apenas uma pequena parte desses conhece o Andy Irons, uma pena!
Quem viveu os poucos anos da sua impressionante carreira e acompanhou suas performances nunca o esquecerá. Seus três títulos mundias foram emocionantes.
Ele foi o único à altura do Kelly quando o Kelly estava além das alturas. Era uma rivalidade quase mortal que ao mesmo tempo flertava com o mais alto respeito e admiração mutua.
Eram como combustível e motor um para o outro, e vice-versa.
Em breve teremos mais um documentário sobre o Andy, dessa vez parece que sob uma nova perspectiva, a que poucos conhecem, mais íntima, revelando os demônios que viviam dentro desse deus.
Muito bom e merecido esse título de campeã do mundo para a australiana Tyler Wright. Uma surfista guerreira que já vem há vários anos chegando perto do objetivo máximo, mas sempre parava frente às duas grandes campeãs mundiais, Stephanie Gilmore(6x) e Carissa Moore(3x).
Agora é chegada a sua vez. Com um surf extremamente forte e radical, ela vem fazendo um ano muito regular, onde já venceu quatro eventos. O título veio antecipado com esse segundo lugar na França, antes mesmo da última etapa no Hawaii.
A corrida pelo título masculino continua firme, John Florence e Gabriel Medina estão cada vez mais próximos ao título. Nessa etapa, JJF terminou em terceiro e Gabriel perdeu na final para o mar e para a maior zebra de toda a história do circuito mundial, Keanu Asing, o havaiano que já estava praticamente fora da elite, mas que nesse campeonato veio derrubando um a um até conquistar a primeira vitória em toda sua carreira, merecidamente.
Diz uma lenda que Syd Barret tinha um disco de Pink Anderson no início dos anos 60, é bem provável que isso seja verdade, outra, diz que Barret curtia um disco de Blind Boy Fuller que tinha a participação de Pink Anderson e Floyd Council, e estes dois teriam influenciado Syd a ponto de ele quando pensou no nome para sua banda ter feito um trocadilho com seus pré-nomes, chamando-a, a princípio, "The Pink Floyd Sounds", mas logo depois ter simplificado para apenas "Pink Floyd".
Será que são lendas ou fatos? Syd deixou um belo legado marcado pelo blues e não está mais conosco para confirmar, então vamos considerar como verdade e agradecer a esses dois bluesmans por, mesmo sem saber, terem inspirado um gênio para formar a melhor banda de todos os tempos.
Ontem, dia 07 de outubro, recebi no e-mail uma mensagem promocional do lançamento do novo disco do Seasick. Uau!! Para tudo!! Imediatamente abri o link que direcionava para a página oficial dele e lá estava o vinil, duplo, em 180 gram. É claro que tratei logo de garantir o meu.
Feito isso, fui à procura de algum link na internet para ouvir e quem sabe baixar o disco para matar minha curiosidade, pois não consigo esperar um ou dois meses até meu album chegar para ouvir esse velhote e seus blues rocks carregados de venenos tal qual as serpentes dos campos do Tennessee de onde também veio esse barbudinho.
Como bom garimpeiro que sou, sacodi a poeira, afastei a lama e lá estava ele, um link maravilhoso com o album completinho, com boa qualidade, suficiente para saciar meus ouvidos famintos, pelo menos temporariamente.
Que pancada! Vinte músicas. Uau!!(de novo) Deixei rolar e logo senti aquele arrepio causado pela distorção das velhas e arranjadas guitarras de Steve. O cara é muito roots, na mais autêntica e contextual interpretação da palavra. Seu rock é rural, seu blues é legítimo.
Há ainda algumas versões de velhas canções de artistas pouco conhecidos por essas bandas. Uma linda roupagem ele deu a "Gentle on My Mind", de Glen Campbell; "Everybody's Talkin' at Me", de Harry Nilsson, está quase irreconhecível, embora seja uma música que estourou nos anos 70 em todas as rádios do mundo; em "Signed DC", de Arthur Lee, Seasick invocou o fantasma do autor, seu conterrâneo, e rasgou um blues abusando da sua voz potente e do solo de gaita para dar um clima ainda mais sombrio à canção.
Escrevendo essas linhas depois de em apenas menos de 24 horas já ter escutado o disco umas três vezes mesmo em arquivos digitais, fico aqui na expectativa do prazer de colocar meu vinil na minha vitrola e curtir essas músicas como elas merecem, no velho estilo preservado pelo velho Seasick.
É obvio que o fato de ser filho de uma lenda abre todas as portas até para um músico mediano, o sobrenome será sempre levado em consideração e seu trabalho pode ser muito mais valorizado em respeito às suas origens do que ao seu real valor. Essa é uma regra geral, mas não se aplica para o sujeito em tela. Apesar do sobrenome respeitadíssimo que por si só já arrebataria milhões de curiosos e poderia ofuscar a preciosidade do ser, este nunca esteve sob a proteção ou foi carregado ou alçou voos pelas asas da família, mas sim pelo seu talento nato e pelos seus diversos trabalhos, tanto com os mais variados músicos e projetos dos quais já participou, como posteriormente pela sua própria banda e mais recentemente pelos seus discos solo.
Devon Allman nasceu em 1972, filho de Gregg Allman, um dos fundadores da magnífica banda The Allman Brothers Band, referência absoluta no Southern Rock. Mas Devon, ainda muito cedo foi viver com a mãe logo após a separação do casal e só veio a conhecer o pai na adolescência, logo, embora tenha começado a tocar ainda bem jovem, não sofreu influências diretas do pai, Segundo ele, suas influências no início foram Beatles e Kiss, e quando conheceu o pai, aí sim, a ligação foi imediata e então seu estilo foi se consolidando, tendenciando ao Classic Rock e ao Blues Rock que eram a tônica da família. Passou então, naturalmente, a curtir Santana, Stones, The Doors e, lógico, a banda da família. Certa vez, quando perguntado se havia um disco que teria sido o divisor de águas, ele citou "Layla", de Derek and The Dominos, onde Eric Clapton e seu tio, Duane Allman, tocam com o coração, com energia e paixão.
Em 1999 ele formou a Devon Allman's Honeytribe, gravou apenas dois discos até 2010, quando a banda se desfez. Logo no ano seguinte deu início a um novo projeto, a Royal Southern Brotherhood. Com eles foram mais quatro discos, inclusive o último lançado em 24 de junho deste ano, ainda em processo de digestão.
Nesse meio tempo ele começou umas sessões com uma baita seleção de músicos para dar início a sua carreira solo e em 2013 soltou seu primogênito, "Turquoise". Saiu em turnê e não demorou para lançar logo outro album, "Ragged and Dirty". Mais algumas turnês para divulgar seu trabalho e algumas participações na banda de seu pai o levaram a uma grande evolução e maturidade no seu som que estão claramente refletidas nesse novo disco que já impressiona pela sua lindíssima capa, instigando-nos a descobrir o que ela oferece no seu interior.
Devon Allman - Ride or Die
Música orgânica da melhor qualidade, Rock sem firulas, bateria muito bem marcada com inúmeras variações de ritmo que enriquecem o som desrotulando-o; guitarras fortes tocadas com bastante estilo, muito swing e paixão que vêm do fundo do seu íntimo seio familiar; solos cortantes, sutis, sem extremismos; baixo notável, contagiante; e Devon, que também toca guitarra e baixo, cantando melhor do que em qualquer outro dos seus trabalhos anteriores, notadamente uma grande evolução que só uma elite de músicos carregados de feeling conseguem externar.
"Ride or Die" é um grande disco, são 48 minutos de prazer, deve figurar entre os melhores do ano no estilo, tem tudo que se espera de um album de Blues Rock. O time de músicos é de arrebentar, mostram grande harmonia e as composições são inspiradíssimas, teclados, saxofone e violinos são primorosamente inseridos e tudo se encaixa. É o tipo do album no qual logo que colocamos a agulha no primeiro sulco sentimos nos arrebatar, e segue sem redeas, a galope, faixa a faixa.
É preciso um certo esforço para destacar algumas faixas, há desde rockões clássicos como a faixa de abertura, "Say your Prayers", talvez a mais pesada do disco, carregada de Riffs e Wah Wah; "Find Ourselves" que vai fazer você dançar mesmo que esteja engessado; "Lost", uma linda canção com belíssimos violões e Devon afirmando que "true love never die", é a minha preferida; e "Pleasure and Pain", um blues rockpara fechar o album com muito estilo, todas contagiantes. Minha sugestão é que faça o que um bom disco de vinil sugere, não escolha músicas aleatoriamente, apenas deixe rolar sem interrupções que seu coração e sua alma agradecerão.